Desenvolvimento regional e pensamento social latino-americano
Abstract
Introdução
A teoria e prática do desenvolvimento regional na América Latina, em grande medida, vem reforçando o imaginário da modernidade ocidental. O “Primeiro Mundo” teve a oportunidade de inventar várias classificações e ser parte privilegiada delas: criou identidades culturais (branco-negro-índio-amarelo-mestiço), geoculturais (América-Europa-Ásia-África-Oceania, Oriente-Ocidente) e geopolíticas (Primeiro-Segundo-Terceiro-Quarto Mundo, Norte-Sul, Desenvolvido -Subdesenvolvido, Centro-Periferia). Classificou, assim, espaços, corpos e mentes. No campo do desenvolvimento regional, por um lado, temos os enfoques eurocêntricos e, por outro, enfoques que incorporam as experiências que têm lugar na América Latina e em outros países “Subdesenvolvidos”.
O objetivo deste trabalho é relacionar o campo do desenvolvimento regional ao pensamento social latino-americano, buscando resgatar alguns enfoques que têm como referência o pensamento social regional. Partimos do pressuposto de que, ao considerarmos a teoria/prática do desenvolvimento, estamos considerando não o desenvolvimento livre e autônomo de um país ou de uma região, mas o desenvolvimento de um padrão de poder. Este padrão de poder desconsidera gentes, culturas e conhecimentos latino-americanos e faz com que as pessoas conheçam e atuem apartadas do conhecimento e das práticas constituídas aqui.
Do resgate do pensamento social regional emerge a possibilidade de olhar criticamente o desenvolvimento regional. Para além das classificações de identidades culturais, geoculturais e geopolíticas, está pendente a desnaturalização destas e o mapeamento de alternativas. Neste sentido, colocamos no centro do debate a dominação, exploração e discriminação; buscando desnaturalizar o desenvolvimento como padrão de poder capitalista.
A teoria e prática do desenvolvimento regional na América Latina
O uso do termo desenvolvimento e a elaboração de enfoques se difundiu principalmente após a Segunda Guerra Mundial, como forma de organizar as relações internacionais tendo como base a classificação dos em países desenvolvidos e subdesenvolvidos. Desenvolver não envolve o curso “natural” dos seres, das coisas e dos acontecimentos, nem uma evolução “espontânea” de tudo que existe. A invenção do desenvolvimento, sua intencionalidade e suas condições históricas são bem específicas: o excedente criado pelo homem é pedra angular no estudo do desenvolvimento, juntamente com sua lógica da acumulação (FURTADO, 1980; 1994).
A teoria do desenvolvimento tem forte inspiração na ideia do desenvolvimento como crescimento econômico e tem origem nos países considerados desenvolvidos. Podemos citar alguns enfoques que caminham nessa direção: as teorias dos pólos de crescimento, desenvolvimento econômico e causação circular cumulativa, desenvolvimento desigual e transmissão inter-regional do crescimento, teoria da base de exportação, dentre outras (LIMA; SIMÕES, 2010). São enfoques que surgem para explicar ou impulsionar determinados tipos de desenvolvimento localizados no espaço e no tempo.
No atual contexto de mundialização do capital há de se considerar que antes a produção se encontrava localizada e, atualmente, a divisão geográfica do trabalho envolve atribuições diferentes entre os espaços. A teoria do desenvolvimento regional e sua prática se converteu em uma panaceia: “Não na perspectiva de um enfrentamento à periferização produzida pela mundialização do capital, mas na de uma inserção na economia globalizada com vistas a extrair dela, para a localidade/região, suas respectivas vantagens competitivas.” (THEIS, 2014, p. 18).
Na América Latina destacam-se entre as décadas de 1950 e 1970 a teoria da modernização, o estruturalismo cepalino e a análise da dependência. Nas décadas de 1980 e 1990, ganham audiência os enfoques neo-institucionalista e neoliberal e, mais recentemente, as perspectivas do pós-estruturalismo, pós-colonialismo, pós-desenvolvimentismo e as teorias feministas de desenvolvimento (BUTZKE; MANTOVANELI JR.; THEIS, 2016). A América Latina é um fracasso se tivermos como parâmetro as experiências bem sucedidas da Europa e dos Estados Unidos e a adoção das teorias “de lá” para a realidade “daqui” é limitante. Existem aqueles que desejam um vínculo maior com o desenvolvimento “de lá” e outros que desejam olhar para a América Latina, para a história compartilhada pelas gentes, culturas e conhecimentos historicamente desconsiderados. É sobre esses últimos que vamos nos debruçar.
O resgate do pensamento social latino-americano
Para tratar da história compartilhada, culturas e conhecimentos desconsiderados utilizamos como referência o pensamento social latino-americano. Entendemos o pensamento social latino-americano como o coletivo de mulheres e homens cuja “práxis” (pensamento e ação) toma a América Latina por referência. Consideramos a existência de um pensamento social regional, práxis identificada com os interesses e angústias de nossos povos (FALS BORDA, 1970; IANNI, 2004; PINTO, 2010).
Neste sentido, o pensamento social regional, os enfoques decoloniais e pós-coloniais nos trazem possibilidades de pensar a América Latina a partir da América Latina. Podemos citar vários pensadores que refletiram sobre o papel da América Latina no sistema-mundo: Sergio Bagú (capitalismo colonial), Raúl Prebisch (centro-periferia), Ruy Mauro Marini (subimperialismo) e Theotônio dos Santos (dependência). Outras contribuições relevantes: Darcy Ribeiro (processo civilizatório), Josué de Castro (Sociologia da Fome), Orlando Fals Borda (Pesquisa-Ação Participativa), Aníbal Quijano (Colonialidade do Poder), Paulo Freire (Pedagogia do Oprimido), Octavio Ianni, Celso Furtado, Héctor Silva Michelena, Armando Córdova (Crítica da globalização), Leonardo e Clodovil Boff (Teologia da Libertação), Gino Germani e José Nun (Teoria da marginalidade), Fernando Henrique Cardoso, Enzo Faletto (Enfoque da dependência), Ruy Mauro Marini, Theotônio Dos Santos, Vânia Bambirra e Andre Gunder Frank (Teoria da dependência), Heinz Sonntag e Roberto Biceño (Sociologia latino-americana), Edgardo Lander (Eurocentrismo e colonialismo), Enrique Dussel (Filosofia e Ética da libertação), Walter Mignolo (Violência epistêmica), Arturo Escobar (Análise cultural), Enrique Leff (Crítica ao desenvolvimento sustentável), Atílio Boron (Crítica ao neoliberalismo), Xabier Gorostiaga (Civilização geocultural), Carlos Vilas, Emir Sader, Francisco Delich, Manuel Antonio Garretón, Norbert Lechner, Guilhermo O’Donnell (Transição, democracia, cidadania e Estado), Nestor García Canclini (Culturas Híbridas), Hermes Tovar Pinzón (Economia da Coca), Gerard Pierre Charles, Suzy Castor (Sociologia do Caribe), Ramiro Guerra, Eric Williams, Manuel Moreno Fraginals e Juan Pérez de la Riva (Economia das plantações do Caribe) e Edelberto Torres Rivas (Sociologia centro-americana) (SEGRERA, 2005).
Se a preocupação, durante muito tempo, foi com os obstáculos ao desenvolvimento, entra em debate os limites do crescimento, os estilos de desenvolvimento, a desconstrução e a negação do desenvolvimento. “Ao caráter interdisciplinar da reflexão sobre o desenvolvimento deve-se, seguramente, sua fecundidade. De todos modos, os horizontes por ela abertos contribuíram para aprofundar a consciência crítica do homem contemporâneo” (FURTADO, 1980, p. 27) e também do desenvolvimento que tem lugar na América Latina.
Contribuições latino-americanas à agenda de pesquisa em desenvolvimento regional
O desafio é elaborar uma agenda de pesquisa que tome a região como espaço supra-nacional e sub-nacional e que contemple as preocupações presentes no pensamento social latino-americano. Alguns temas podem ser sugeridos: colonialidade interna e subimperialismo na América Latina, resistências ao desenvolvimento, ao desenvolvimentismo e ao neodesenvolvimentismo, a questão regional como discurso e como contra-discurso, a exploração de classes e regiões, a exploração de gênero e de raça, dentre outros.
Os autores e autoras que assumem enfoques decoloniais e pós-coloniais partem do pressuposto de que existe uma “realidade criada” que passamos a enxergar como “realidade”. Para efetuar qualquer mudança, precisamos desconstruir essa realidade e criarmos outra. Todos enfatizam os limites (das pessoas, do Estado-nação, da dominação/exploração em todas as escalas geográficas), e apostam na ruptura estimuladas por experiências das pessoas que aqui vivem, da ruptura com os Estados-nação que foram constituídos de costas para a população e suas necessidades e ruptura com as relações de dominação/exploração local/regional/nacional/continental/ internacional.
References
BUTZKE, Luciana; MANTOVANELI JR., Oklinger; THEIS, Ivo M. Afinal, Desenvolvimento Regional serve para quê? Reflexões a partir da sociologia da libertação de Fals Borda e da sociologia da exploração de Casanova. Revista Redes, Revista do Desenvolvimento Regional, vol. 21, nº 3, 2016, p. 306-318.
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THEIS, Ivo M. Desenvolvimento em escala local/regional na periferia do capitalismo mundializado: breve introdução. In: THEIS, Ivo M (Org.). Desenvolvimento local/regional na periferia do capitalismo mundializado: estudos de caso em Santa Catarina. Blumenau: Edifurb, 2014, p. 13-26.
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